sexta-feira, 29 de maio de 2009

Semana movimentada

Depois de um calmo fim de semana, embora com um sábado molhado, a ouvir patinhos, ovelhas, andorinhas, melros e cães, veio a 2ªfeia - ontem num desenho animado um bonequito chamava-lhe o sovaco da semana, ri-me, pois nunca ouvira chamar tal nome ao primeiro dia da semana - e com ela uma ida com o meu marido a uma consulta. As notícias não são das melhores e fiquei bastante em baixo. Quando os problemas são comigo tenho força suficiente para os enfrentar, se são com pessoas que me são queridas não dou a volta com tanta facilidade. Como, normalmente, o azar nunca bate à porta sózinho, começou na 3ªfeira uma obra na cozinha cá de casa. Felizmente, a minha filha precisou do meu apoio - o marido saíu do país por 3 dias - e eu dormi em casa dela. Foi uma pedra de gelo num copo de wisky - por acaso não gosto de tal bebida - pois estar com a minha menina crescida e com a minha príncesa e o meu príncipe foi um bálsamo para as minhas preocupações. Levantei-me, sem o mínimo sacrificio, às 07.00h, eu que depois da químio, rádio e Erceptin,me tornei mais dorminhoca. Levei a Mónica ao colégio e depois vim à minha vida para regressar à tardinha.
Ontem, o Afonso acordou com febre, fiquei com ele e apesar de ele estar murchito brincámos, dei-lhe muitos beijinhos e miminhos, e recebi também muitos dele. é muito querido e meiguinho. Foi muito bom tê-lo só para mim umas quantas horas. Adorei, pena ele estar doentito. Felizmente , depois da sesta não voltou a ter febre e ficou mais espevitado.
Hoje tenho dedicado o dia a limpeza e arrumações, que se prolongarão durante o fim de semana.
Venho desejar-lhes um belíssimo fim de semana com ums dias que já convidam a uma ida à praia. Adoro o mar, dá-me energia e boa disposição.

quinta-feira, 21 de maio de 2009

...Que alegria...!!!

Hoje estou feliz, feliz, feliz ... quero partilhar com todos vós a alegria que me vai na alma ... Fui consultada pela médica de oncologia que me segue desde Outubro de 2007 ... As análises estão perfeitas, vou pedir-lhe uns exames e novas análises que irá apresentar ao cirurgião em Setembro e eu só quero vê-la em Janeiro com outras análises e outros exames - disse ela. Agradeci e despedimo-nos ... Chegada ao corredor tive vontade de pular, não o fiz porque pensei que seriam capazes de me internar calculando que eu não estava bem da cabeça ... lol!lol!lol!
Com a ajuda de meu marido, meus filhos, netos, amigos ( também os virtuais ), médicos, enfermeiras ( chamo-lhes as minhas fadas ) e de Deus, que sempre me acompanhou e não deixou que a minha fé fosse abalada, consegui ultrapassar esta fase menos boa da minha vida.
Um enorme obrigada a todos, bem hajam!

terça-feira, 19 de maio de 2009

Desafio

Fui desafiada pelo Luís Portugal a escrever nomes de séries e novelas "do antigamente" a que assisti na TV.
Aqui vão : Dallas - Gabriela Cravo e Canela - Casei com uma Feiticeira
- Escrava Isaura - Espaço 1999 - Lassie - Os Flintstones - Alfred Hitchcock Apresenta - Os Marretas - Bonanza - Get Smart - O Homem Invisivel - Uma Casa na Pradaria - Colombo - Fawlty Towers.

Vou passar o desafio a : Neide - MJC - MJ

segunda-feira, 18 de maio de 2009

Catchupa

Ontem o nosso dia foi óptimo. Fiz um panelão de catchupa e fomos para casa dos filhotes. Juntámo-nos, a família e uns amigos, para almoçar. Foi um encontro genuinamente cabo-verdeano, o prato típico do arquipélago de Cabo Verde acompanhado de música também da minha terra. Entre os amigos tivemos três estreantes adultos e três teen-agers - duas amiguinhas e a minha neta - que não se cansaram de elogiar o cozinhado e, claro, a cozinheira. A minha Mónica espantou-nos, ela que é tão esquisita com o que come, repetíu. A ementa do jantar foi a mesma, ninguém se cansou do petisco. Gosto muito de fazer esta comida, todos os amigos que já a comeram adoram.
A amizade reina quando nos juntamos. Eu e meu marido adoramos estar com eles e sentímo-nos bem mais jovens, divertimo-nos imenso e eu esqueço todos os meus males. A Mónica e o Afonso ficam super felizes, adoram estes convívios.
Peço a Deus me ajude a usufruir destas excelentes companhias por mais uns anitos.
È muito bom ter uma família muito querida e amigos que nos acarinham.
Obrigada, muito obrigada a todos.

quarta-feira, 13 de maio de 2009

Morre lentamente quem não viaja,
quem não lê,
quem não ouve música,
quem destrói o seu amor próprio,
quem não se deixa ajudar.

Morre lentamente quem se transforma escravo do hábito,
repetindo todos os dias o mesmo trajecto,
quem não muda as marcas no supermercado,
não arrisca vestir uma cor nova,
não conversa com quem não conhece.

Morre lentamente quem evita uma paixão,
quem prefere o "preto no branco"
e os "pontos nos is" a um turbilhão de emoções indomáveis,
justamente as que resgatam brilho nos olhos,
sorrisos e soluços, coração aos tropeços, sentimentos.

Morre lentamente quem não vira a mesa quando está infeliz no trabalho,
quem não arrisca o certo pelo incerto atrás de um sonho,
quem não se permite,
uma vez na vida, fugir dos conselhos sensatos.

Morre lentamente quem passa os dias queixando-se da má sorte ou da chuva incessante,
desistindo de um projecto antes de iniciá-lo,
não perguntando sobre um assunto que desconhece
e não respondendo quando lhe indagam o que sabe.

Evitemos a morte em doses suaves,
recordando sempre que estar vivo exige um esforço muito maior do que o simples acto de respirar.
Estejamos vivos, então!»

Pablo Neruda

terça-feira, 12 de maio de 2009

Amizade virtual mas muito, muito sentida

Este poema da sublime poeta Florbela Espanca foi-me dedicado pelo grande amigo F.V. a quem já agradeci. Desde que me iniciei na blogosfera ele tem sido uma espécie de anjo que me acompanha, que tem a paciência de me ler, que me dedica muita ternura e carinho. Bem haja F.. Os meus prétimos são poucos mas o meu coração é grande, nele cabem sempre amigos como você. Obrigada.

À MINHA BOA AMIGA... DONA IDALDINA


Se os que me viram já cheia de graça
Olharem bem de frente para mim,
Talvez, cheios de dor, digam assim :
«Já ela é velha! Como o tempo passa! ... »

Não sei rir e cantar por mais que faça!
Ó minhas mãos talhadas em marfim,
Deixem esse fio de oiro que esvoaça!
Deixem correr a vida até ao fim!

Tenho vinte e três anos! Sou velhinha!
Tenho cabelos brancos e sou crente ...
Já murmuro orações ... falo sozinha ...

E o bando cor-de-rosa dos carinhos
Que tu me fazes, olho-os indulgente,
Como se fosse um bando de netinhos ...


(Florbela Espanca)


Com muito carinho a essa bela senhora, Dona Idaldina

A semana que passou

A semana passada, quarta-feira, fiz o meu último tratamento de Herceptin. Os dias seguintes , físicamente, não foram fáceis. Apesar de, juntamente com este medicamento, ter recebido um frasco de Panacetamol as dores foram muitas o que me deixou um pouco em baixo. Mas a apoximação do 10º aniversário da minha neta, uns quantos analgésicos e, claro, a minha força anímica conseguiram que, na sexta-feira à tarde, eu me sentísse melhor.
Fomos, eu e meu marido, buscar a nossa menina ao colégio. Depois de umas voltinhas, que aproveitámos para compras, jantámos e só depois a levámos a casa onde o Afonso nos recebeu com grande alegria - daqui a mais uns anitos poderemos fazer o mesmo com ele.
A princesa já estava um pouco excitada pois no dia seguinte era, como nos disse, mais um dia muito feliz da sua vida. Como não gosta de ver nimguém triste acrescentou que os dias de aniversário de familiares e amigos são os seus dias mais felizes. É um amor , a nossa Mónica!
No sábado, depois da festa com os amiguinhos no Jardim Zoológico, a família e uns amigos mais chegados juntámo-nos para um excelente jantar e ainda melhor convívio.
A Mónica estava radiante, o Afonso excitadíssimo , ele adora festas, a mãe e o pai muito felizes, os avós e tio contentíssimos.
Uma das maneiras que tenho de agradecer a esta família que me rodeia de ternura e carinho é lutar com todas as minhas forças contra esta doença que me ataca. Não os vou desiludir...

quarta-feira, 6 de maio de 2009

A Invenção do Amor

Há muito que pensei postar este poema, que acho lindíssimo, mas estava e estou com receio que o achem muito comprido.
Hoje lembrei-me dele e não resisti a compartilhá-lo com os amigos que me visitam.
Espero não vos aborrecer.
O poeta era meu conterraneo, Daniel Filipe de seu nome e faleceu em 1964.
Leiam e dêem a vossa opinião.

A INVENÇÃO DO AMOR


Em todas as esquinas da cidade
nas paredes dos bares à porta dos edifícios públicos nas janelas dos autocarros
mesmo naquele muro arruinado por entre anúncios de aparelhos de rádio e
detergentes na vitrine da pequena loja onde não entra ninguém
no átrio da estação de caminhos de ferro que foi o lar da nossa
esperança de fuga
um cartaz denuncia o nosso amor


Em letras enormes do tamanhodo medo da solidão da angústia
um cartaz denuncia que um homem e uma mulher
se encontraram num bar de hotel
numa tarde de chuva
entre zunidos de conversa
e inventaram o amor com carácter de urgência
deixando cair dos ombros o fardo incómodo da monotonia quotidiana

Um homem e uma mulher que tinham olhos e coração
e fome de ternurae souberam entender-se sem palavras inúteis
Apenas o silêncio A descoberta A estranheza
de um sorriso natural e inesperado

Não saíram de mãos dadas para a humidade diurna
Despediram-se e cada um tomou um rumo diferente
Embora subterraneamente unidos pela invenção conjunta
de um amor subitamente imperativo

Um homem uma mulher um cartaz de denúncia
colado em todas as esquinas da cidade
A rádio já falou A TV anuncia
iminente a captura A policia de costumes avisada
procura os dois amantes nos becos e avenidas
Onde houver uma flor rubra e essencial
é possível que se escondam tremendo a cada batida na porta
fechada para o mundo
É preciso encontrá-los antes que seja tarde
Antes que o exemplo frutifique
Antes que a invenção do amor se processe em cadeia

Há pesadas sanções paras os que auxiliarem os fugitivos

Chamem as tropas aquarteladas na província
convoquem os reservistas os bombeiros os elementos da defesa passiva
Todos
Decrete-se a lei marcial com todas as suas consequências
O perigo justifica-o
Um homem e uma mulher
conheceram-se amaram-se perderam-se no labirinto da cidade
É indispensável encontrá-los dominá-los convencê-losantes que seja demasiado tarde
e a memória da infância nos jardins escondidos
acorde a tolerância no coração das pessoas


Fechem as escolas
Sobretudo protejam as crianças da contaminação
Uma agência comunica que algures ao sul do rio
um menino pediu uma rosa vermelha
e chorou nervosamente porque lha recusaram
Segundo o director da sua escola é um pequeno triste
Inexplicavelmente dado aos longos silêncios e aos choros sem razão
Aplicado no entanto Respeitador da disciplina
Um caso típico de inadaptação congénita disseram os psicólogos
Ainda bem que se revelou a tempo
Vai ser internado
e submetido a um tratamento especial de recuperação
Mas é possível que haja outros. É absoIutamente vitalque o diagnóstico se faça no período primário da doença
E também que se evite o contágio com o homem e a mulher
de que se fala no cartaz colado em todas as esquinas da cidade

Está em jogo o destino da civilização que construímos
o destino das máquinas das bombas de hidrogénio
das normas de discriminação racial
o futuro da estrutura industrial de que nos orgulhamos
a verdade incontroversa das declarações políticas

Procurem os guardas dos antigos universos concentracionários
precisamos da sua experiência onde quer que se escondam
ao temor do castigo

Que todos estejam a postos
Vigilância é a palavra de ordem
Atenção ao homem e à mulher de que se fala nos cartazes
À mais ligeira dúvida não hesitem denunciem
Telefonem à polícia ao comissariado ao Governo Civil
não precisam de dar o nome e a morada
e garante-se que nenhuma perseguição será movida
nos casos em que a denúncia venha a verificar-se falsa

Organizem em cada bairro em cada rua em cada prédio
comissões de vigilância. Está em jogo a cidadeo país a civilização do ocidente
esse homem e essa mulher têm de ser presos
mesmo que para isso tenhamos de recorrer às medidas mais drásticas

Por decisão governamental estão suspensas as liberdades individuais
a inviolabilidade do domicílio o habeas corpus o sigilo da correspondência
Em qualquer parte da cidade um homem e uma mulher amam-se ilegalmente
espreitam a rua pelo intervalo das persianas
beijam-se soluçam baixo e enfrentam a hostilidade nocturna
É preciso encontrá-los
É indispensável descobri-los
Escutem cuidadosamente a todas as portas antes de bater
É possível que cantem
Mas defendam-se de entender a sua voz
Alguém que os escutou
deixou cair as armas e mergulhou nas mãos o rosto banhado de lágrimas
E quando foi interrogado em Tribunal de Guerra
respondeu que a voz e as palavras o faziam feliz
Lhe lembravam a infância
Campos verdes floridos Água simples correndo A brisa nas montanhas

Foi condenado à morte é evidente
É preciso evitar um mal maior
Mas caminhou cantando para o muro da execução
foi necessário amordaçá-lo e mesmo assim desprendia-se dele
um misterioso halo de uma felicidade incorrupta

Impõe-se sistematizar as buscas Não vale a pena procurá-los
nos campos de futebol no silêncio das igrejas nas boîtes com orquestra privativa
Não estarão nunca aí
Procurem-nos nas ruas suburbanas onde nada acontece
A identificação é fácil
Onde estiverem estará também pousado sobre a porta
um pássaro desconhecido e admirávelou florirá na soleira a mancha vegetal de uma flor luminosa
Será então aí
Engatilhem as armas invadam a casa disparem à queima roupa
Um tiro no coração de cada um
Vê-los-ão possivelmente dissolver-se no ar Mas estará completo o esconjuro
e podereis voltar alegremente para junto dos filhos da mulher

Mais ai de vós se sentirdes de súbito o desejo de deixar correr o pranto
Quer dizer que fostes contagiados Que estais também perdidos para nós
É preciso nesse caso ter coragem para desfechar na fronteo tiro indispensável
Não há outra saída A cidade o exige
Se um homem de repente interromper as pesquisas
e perguntar quem é e o que faz ali de armas na mão
já sabeis o que tendes a fazer Matai-o Amigo irmão que seja
matai-o Mesmo que tenha comido à vossa mesa e crescido a vosso lado
matai-o Talvez que ao enquadrá-lo na mira da espingarda
os seus olhos vos fitem com sobre-humana náusea
e deslizem depois numa tristeza líquida
até ao fim da noite Evitai o apelo a prece derradeira
um só golpe mortal misericordioso basta
para impor o silêncio secreto e inviolável

Procurem a mulher e o homem que num bar
de hotel se encontraram numa tarde de chuva
Se tanto for preciso estabeleçam barricadas
senhas salvo-condutos horas de recolher
censura prévia à Imprensa tribunais de excepção
Para bem da cidade do país da cultura
é preciso encontrar o casal fugitivo
que inventou o amor com carácter de urgência

Os jornais da manhã publicam a notícia
de que os viram passar de mãos dadas sorrindo
numa rua serena debruada de acácias
Um velho sem família a testemunha diz
ter sentido de súbito uma estranha paz interior
uma voz desprendendo um cheiro a primavera
o doce bafo quente da adolescência longínqua
No inquérito oficial atónito afirmou
que o homem e a mulher tinham estrelas na fronte
e caminhavam envoltos numa cortina de música
com gestos naturais alheios Crê-seque a situação vai atingir o climax
e a polícia poderá cumprir o seu dever

Um homem uma mulher um cartaz de denúncia
A voz do locutor definitiva nítida
Manchetes cor de sangue no rosto dos jornais

É PRECISO ENCONTRÁ-LOS ANTES QUE SEJA TARDE

Já não basta o silêncio a espera conivente o medo inexplicado
a vida igual a sempre conversas de negócios
esperanças de emprego contrabando de drogas aluguer de automóveis
Já não basta ficar frente ao copo vazio no café povoado
ou marinheiro em terra a afogar a distância
no corpo sem mistério da prostituta anónima
Algures no labirinto da cidade um homem e uma mulher
amam-se espreitam a rua pelo intervalo das persianas
constroem com urgência um universo do amor
E é preciso encontrá-los E é preciso encontrá-los

Importa perguntar em que rua se escondem
em que lugar oculto permanecem resistem
sonham meses futuros continentes à espera
Em que sombra se apagam em que suave e cúmplice
abrigo fraternal deixam correr o tempo
de sentidos cerrados ao estrépito das armas
Que mãos desconhecidas apertam as suas
no silêncio pressago da cidade inimiga

Onde quer que desfraldem o cântico serenorasgam densos limites entre o dia e a noiteE é preciso ir mais longedestruir para sempre o pecado da infânciaerguer muros de prisão em circulos fechadosimpor a violência a tirania o ódio

Entretanto das esquinas escorre em letras enormes
a denúncia total do homem e da mulher
que no bar em penumbra numa tarde de chuva
inventaram o amor com carácter de urgência

COMUNICADO GOVERNAMENTAL À IMPRENSA

Por diversas razões sabe-se que não deixaram a cidadeo nosso sistema policial é óptimo estão vigiadas todas as saídasencerramos o aeroporto patrulhamos os caishá inspectores disfarçados em todas as gares de caminhos de ferro

É na cidade que é preciso procurá-los
incansavelmente sem desfalecimentos
Uma tarefa para um milhão de habitantes
todos são necessários
todos são necessários
Não sem preocupem com os gastos a Assembleia votou um crédito especial
e o ministro das Finanças
tem já prontas as bases de um novo imposto de Salvação Pública


Depois das seis da tarde é proibido circular
Avisa-se a população de que as forças da ordem
atirarão sem prevenir sobre quem quer que seja
depois daquela hora Esta madrugada por exemplo
uma patrulha da Guarda matou no Cais da Areia
um marinheiro grego que regressava ao seu navio

Quando chegaram junto dele acenou aos soldados
disse qualquer coisa em voz baixa e fechou os olhos e morreu
Tinha trinta anos e uma família à espera numa aldeia do Peloponeso
O cônsul tomou conhecimento da ocorrência e aceitou as desculpas
do Governo pelo engano cometido
Afinal tratava-se apenas de um marinheiro qualquer
Todos compreenderam que não era caso para um protesto diplomático
e depois o homem e a mulher que a policia procura
representam um perigo para nós e para a Grécia
para todos os países do hemisfério ocidental
Valem bem o sacrifício de um marinheiro anónimo
que regressava ao seu navio depois da hora estabelecida
sujo insignificante e porventura bêbado


SEGUE-SE UM PROGRAMA DE MÚSICA DE DANÇA

Divirtam-se atordoem-se mas não esqueçam o homem e a mulher
Escondidos em qualquer parte da cidade
Repete-se é indispensável encontrá-los
Um grupo de cidadãos de relevo ofereceu uma importante recompensa
destinada a quem prestar informações que levem à captura do casal fugitivo
Apela-se para o civismo de todos os habitantes
A questão está posta É preciso resoIvê-lapara que a vida reentre na normalidade habitual
Investigamos nos arquivos Nada consta
Era um homem como qualquer outro
com um emprego de trinta e oito horas semanais
cinema aos sábados à noite
domingos sem programa
e gosto pelos livros de ficção cientifica
Os vizinhos nunca notaram nada de especial
vinha cedo para casa
não tinha televisão,deitava-se sobre a cama logo após o jantar
e adormecia sem esforço

Não voltou ao emprego o quarto está fechado
deixou em meio as «Crónicas marcianas»perdeu-se precipitadamente no labirinto da cidade
à saída do hotel numa tarde de chuva
O pouco que se sabe da mulher autoriza-nos a crer
que se trata de uma rapariga até aqui vulgar
Nenhum sinal característico nenhum hábito digno de nota
Gostava de gatos dizem Mas mesmo isso não é certo
Trabalhava numa fábrica de têxteis como secretária da gerência
era bem paga e tinha semana inglesa
passava as férias na Costa da Caparica.

Ninguém lhe conhecia uma aventura
Em quatro anos de emprego só faltou uma vez
quando o pai sofreu um colapso cardíaco
Não pedia empréstimos na Caixa
Usava saia e blusa
e um impermeável vermelho no dia em que desapareceu

Esperam por ela em casa: duas cartas de amigaso último número de uma revista de modasa boneca espanhola que lhe deram aos sete anosFicou provado que não se conheciamEncontraram-se ocasionalmente num bar de hotel numa tarde de chuvasorriram inventaram o amor com carácter de urgênciamergulharam cantando no coração da cidade

Importa descobri-los onde quer que se escondamantes que seja demasiado tardee o amor como um rio inunde as alamedaspraças becos calçadas quebrando nas esquinas

Já não podem escapar Foi tudo calculado
com rigores matemáticos Estabeleceu-se o cerco
A policia e o exército estão a postos Prevê-se
para breve a captura do casal fugitivo
(Mas um grito de esperança inconsequente vem
do fundo da noite envolver a cidade
au bout du chagrin une fenêtre ouverte
une fenêtre eclairée)



DANIEL FILIPE (1925-1964)
Poeta caboverdiano

segunda-feira, 4 de maio de 2009

Amigos, voltei....




Por motivos alheios à minha vontade, entre eles uma doença no computador, só hoje me é possível regressar ao vosso convívio. Vou recomeçar as visitas aos vossos cantinhos.
Aqui vai um miminho para todos.
Beijos